Empresário conta à polícia como o
ex-deputado José Janene, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o
doleiro Alberto Youssef levaram para a estatal parte do esquema do mensalão
HUDSON CORREA E RAPHAEL GOMIDE
12/09/2014 23h33 - Atualizado em 12/09/2014 23h50
Os dois períodos de Lula na Presidência foram marcados por crescimento
econômico, disseminação de programas sociais – e também por dois grandes
escândalos de corrupção. No primeiro mandato, reinou o mensalão. Ele acabou na
prisão de seus principais operadores e articuladores, depois de julgados e
condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No segundo mandato – soube-se
nos últimos meses, por meio de investigações da Polícia Federal (PF) e do
Ministério Público Federal (MPF) –, floresceu um esquema de pagamento de
propina em troca de contratos bilionários com a Petrobras (leia detalhes na
reportagem da página 36), esquema que continuou durante o governo de Dilma
Rousseff. Neste momento, as autoridades investigam a conexão entre os dois
escândalos. Já se sabia que parte da estrutura financeira do mensalão fora
usada no esquema da Petrobras. As últimas investigações vão além da questão
financeira e se debruçam sobre os personagens comuns aos dois enredos. O
ex-deputado federal José Janene (que morreu em 2010), o doleiro Alberto Youssef
e o executivo Paulo Roberto Costa aparecem no mensalão e no esquema da
Petrobras.
ELO
Um depoimento dado no dia 22 de julho deste ano – revelado por ÉPOCA em primeira mão e disponível em vídeo em epoca.com.br –, ajuda a detalhar o papel dos atores que participaram dos dois esquemas. O autor do depoimento é o empresário Hermes Freitas Magnus, de 43 anos. Ele reafirma a participação do mensaleiro Janene – deputado do PP que, em troca de apoio político, embolsou R$ 4,1 milhões do mensalão petista – como figura central que liga os dois escândalos. Magnus foi sócio de Janene – e, segundo diz no depoimento, frequentava sua casa e ouvia confidências dele. Segundo Magnus, o esquema da Petrobras “era a extensão do mensalão, um cala-boca para que (Janene) permanecesse quieto”. Janene sempre dizia, segundo o depoimento de Magnus, que poderia “derrubar Lula”, porque sabia do esquema do PT tanto quanto o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado por corrupção (assista ao trecho no vídeo abaixo).
Segundo Magnus,
na hierarquia dos dois esquemas, Janene estava acima do doleiro Alberto Youssef
e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. De acordo
com o depoimento de Carlos Alberto Pereira da Costa, advogado de Youssef –
revelado com exclusividade na última terça-feira por epoca.com.br –, foi
Janene quem apresentou Youssef a Paulo Roberto. O trio operou junto em dois
momentos. Youssef ajudou Janene a lavar o dinheiro do mensalão. Ainda no
primeiro mandato de Lula, Janene indicou Paulo Roberto à Diretoria de Abastecimento
da Petrobras. No segundo mandato de Lula, os três operaram juntos no esquema da
Petrobras. Investigações da Operação Lava Jato revelam que Youssef intermediava
pagamento de propina na estatal. Por meio de empresas de fachada, Youssef
recebia dinheiro de empreiteiras interessadas em assinar contratos com a
Petrobras. Usando um emaranhado de depósitos bancários feitos por laranjas,
fazia o suborno chegar a Paulo Roberto, o homem que tinha a caneta para fazer
as contratações – e, agora preso, começa a entregar os participantes do
esquema. Enquanto isso, Janene, por ser guardião dos segredos do PT, ganhava
espaço na Petrobras. Ele continuou como deputado apenas no início do segundo
governo Lula. Por causa de uma doença no coração, Janene arrancou em 2007 uma
aposentadoria por invalidez na Câmara dos Deputados, embora já respondesse à
acusação de receber dinheiro do mensalão. Continuou ativo na política, agindo
nos bastidores.
O relato que
Magnus fez à Justiça Federal revela o grau de influência dele na Petrobras.
“Lá, mando eu”, costumava dizer Janene, conforme o relato de Magnus – embora
houvesse outros partidos e esquemas na Petrobras. “Alguns deputados federais
queriam falar com diretores da Petrobras sem a intervenção de José Janene, e
não conseguiam. Então, entravam em contato com Janene pelo telefone”, afirmou
Magnus. Ele disse ainda que presenciou uma performance debochada de Janene ao
telefone. Ele ironizava um parlamentar que tentara contato sem sua ajuda. “E
aí, a espera tá grande?” Segundo Magnus, Janene tinha “acesso livre” e
intermediava negócios entre a Petrobras e empresas de grande porte, como as
construtoras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. Ele não deu detalhes que
possam identificar que tipos de contrato seriam ou se houve algum tipo de
ilegalidade. Procurada, a construtora Queiroz Galvão afirmou que não há
“irregularidades nem ilegalidades” em seus contratos, que são negociados
“dentro das regras estabelecidas pela legislação e sem a intermediação de
terceiros”. A Camargo Corrêa disse que só presta serviços à Petrobras por meio
de licitações públicas
Magnus começou a contar o que sabia à Polícia Federal ainda em 2009,
quando o escândalo de corrupção na Petrobras ainda era desconhecido. Concluiu a
história com riqueza de detalhes no depoimento de julho passado. Ele parece ter
credenciais para falar. A Operação Lava Jato teve início justamente a partir da
investigação sobre um negócio de Magnus com Janene. De acordo com o MPF, Janene
lavou dinheiro do mensalão ao investir parte da quantia recebida na Dunel
Indústria e Comércio, fabricante de componentes eletrônicos que pertencia a
Magnus. Janene usou a empresa de fachada CSA Project Finance, uma sociedade
mantida pelo doleiro Youssef, para aplicar R$ 1,16 milhão dos R$ 4,1 milhões
que ganhara no mensalão na Dunel. Isso ocorreu em julho de 2008.
Era mais um golpe aparentemente perfeito idealizado por Janene. Magnus
tinha as características de vítima ideal para operadores experientes do mercado
negro. Sua firma de eletrônicos automotores precisava de dinheiro para crescer,
e ele buscava um investidor. Janene e Youssef estavam atrás de uma oportunidade
para esquentar dinheiro frio de corrupção. O primeiro encontro com Magnus foi
em junho de 2008, na sede da CSA, em bairro nobre de São Paulo. Acompanhado de
Youssef, o afável Janene – já ex-deputado – chegou abraçando afetuosamente o
futuro sócio, ou melhor, a futura vítima. O doleiro e o mensaleiro traziam
soluções rápidas e práticas, quase um sonho para quem precisava de uma injeção
de capital. “Olha, podemos viabilizar seu negócio: se quiser dinheiro do
Estado do Espírito Santo para cima, tenho a opção do Banco do Nordeste. Se não
quiser se meter com banco, temos uma solução mais tranquila, um recurso nosso.
Se quiserem, coloco 1 milhão de início”, disse Janene.
As imagens do depoimento obtidas por ÉPOCA mostram que, no momento em que Magnus conta essa história, Youssef senta-se ao lado do advogado dele e, apontando para Magnus, reclama: “Ele está mentindo, ele é mentiroso”. O juiz Sérgio Moro, que ouvia Magnus, interrompe Youssef. Ele só se cala quando é ameaçado por Moro de ser retirado da sala. Em pouco tempo, Magnus foi alijado da Dunel e virou, como ele mesmo se definiu, uma espécie de zumbi na firma. Os equipamentos encomendados não chegavam, e a produção emperrava. Ao consultar um advogado, Magnus descobriu que estava no meio de uma trama de lavagem de dinheiro. Resolveu procurar a PF para contar o que sabia. Afirma que Janene o ameaçou de morte e que, na época, um incêndio misterioso destruiu uma casa dele.
Youssef, mais uma vez, se deu bem. Lavou o dinheiro para Janene e, ainda naquele ano de 2008, estreitou relações com Paulo Roberto, o executivo dos grandes contratos da Petrobras. Mal se livrara de uma condenação a sete anos de reclusão graças a uma delação premiada, Youssef reincidia em sua especialidade, a lavagem de dinheiro. Tinha o amigo e sócio Janene como cliente. Juntos, tinham um hotel, uma agência de viagens em Londrina e uma locadora de automóveis. A proximidade da dupla ia além dos negócios. Os dois se visitavam e se tratavam pelos títulos de compadre e padrinho. “Youssef chegava à casa de Janene e era padrinho pra cá, padrinho pra lá... Compadre pra cá, compadre pra lá. E era muito íntimo na lida das coisas”, afirmou Magnus à Justiça Federal. Numa dessas reuniões, Janene prometeu pagar o que chamou de “lua de mel” na Europa para Youssef e a mulher. Em seguida, explicou a ele o motivo da generosidade: “Ela só não pode pensar que você vai fazer aqueles câmbios para mim na França. Não deixe ela sonhar que você está fazendo isso”.
As imagens do depoimento obtidas por ÉPOCA mostram que, no momento em que Magnus conta essa história, Youssef senta-se ao lado do advogado dele e, apontando para Magnus, reclama: “Ele está mentindo, ele é mentiroso”. O juiz Sérgio Moro, que ouvia Magnus, interrompe Youssef. Ele só se cala quando é ameaçado por Moro de ser retirado da sala. Em pouco tempo, Magnus foi alijado da Dunel e virou, como ele mesmo se definiu, uma espécie de zumbi na firma. Os equipamentos encomendados não chegavam, e a produção emperrava. Ao consultar um advogado, Magnus descobriu que estava no meio de uma trama de lavagem de dinheiro. Resolveu procurar a PF para contar o que sabia. Afirma que Janene o ameaçou de morte e que, na época, um incêndio misterioso destruiu uma casa dele.
Youssef, mais uma vez, se deu bem. Lavou o dinheiro para Janene e, ainda naquele ano de 2008, estreitou relações com Paulo Roberto, o executivo dos grandes contratos da Petrobras. Mal se livrara de uma condenação a sete anos de reclusão graças a uma delação premiada, Youssef reincidia em sua especialidade, a lavagem de dinheiro. Tinha o amigo e sócio Janene como cliente. Juntos, tinham um hotel, uma agência de viagens em Londrina e uma locadora de automóveis. A proximidade da dupla ia além dos negócios. Os dois se visitavam e se tratavam pelos títulos de compadre e padrinho. “Youssef chegava à casa de Janene e era padrinho pra cá, padrinho pra lá... Compadre pra cá, compadre pra lá. E era muito íntimo na lida das coisas”, afirmou Magnus à Justiça Federal. Numa dessas reuniões, Janene prometeu pagar o que chamou de “lua de mel” na Europa para Youssef e a mulher. Em seguida, explicou a ele o motivo da generosidade: “Ela só não pode pensar que você vai fazer aqueles câmbios para mim na França. Não deixe ela sonhar que você está fazendo isso”.
DEBOCHE
Os desvios de dinheiro por meio de contratos superfaturados na Petrobras
identificados até agora ocorreram de 2009 a 2014. A morte de Janene por
infarto, na fila do transplante de coração, em 2010, não interrompeu a afinada
e conveniente parceria entre Youssef e Paulo Roberto. Ao contrário, os laços
ficaram ainda mais estreitos. Durante a Operação Lava Jato, a PF interceptou
e-mails recebidos por Youssef. Uma das mensagens veio de um ressentido João
Claudio Genu, ex-chefe de gabinete de Janene e um dos condenados do mensalão.
Genu expressava seu “inconformismo” com a aproximação de Youssef e Paulo
Roberto. Aparentemente, àquela altura, o doleiro e o diretor da Petrobras
tinham estabelecido uma linha direta, sem intermediários, e Genu perdera seu
quinhão no esquema. Paulo Roberto se tornara milionário. A Justiça descobriu
que ele mantinha R$ 51,3 milhões em 12 contas secretas na Suíça.
O depoimento de Magnus reitera uma conclusão: o mensalão e o escândalo
da Petrobras são dois esquemas distintos, mas com métodos, causas e
consequências semelhantes. A causa é o fisiologismo: garantir apoio no
Congresso usando cargos que deveriam ser preenchidos por critérios estritamente
técnicos. O método: desvio de dinheiro público para financiar campanhas ou
enriquecer os políticos envolvidos. A consequência: corrupção. Com a descoberta
do mensalão, em 2005, quando o primeiro mandato de Lula se aproximava do fim, foi
preciso assegurar a fidelidade dos mesmos partidos – e dos mesmos políticos –
ao governo do PT. Com a reeleição de Lula, o governo continuaria a precisar de
apoio no Congresso. E o Congresso não mudara. As regras de Brasília também não.
Lula e o PT acomodaram-se às práticas políticas de sempre. E distribuíram aos
partidos da base os cargos que os políticos tanto queriam. São aqueles que
servem tão somente para gerar favores e dinheiro, seja para campanhas, seja
para o bolso de quem está no esquema. Nenhum cargo era tão desejado pelos
políticos quanto uma diretoria na Petrobras, a mais rica e poderosa empresa do
país. No segundo mandato de Lula, a Petrobras, mais que qualquer outra estatal,
ocupou o vácuo deixado pelo mensalão.
Janene está morto, não pode mais ameaçar nem delatar ninguém. Parentes seus são réus com Youssef na ação penal sobre a lavagem de dinheiro do mensalão. Um deles é Meheidin Jenani, primo de Janene. Magnus, o ex-sócio de Janene, afirma que Meheidin é especialista em assar carneiros e ia constantemente do Paraná a Brasília para preparar carneiros para a então ministra da Casa Civil, e hoje presidente Dilma Rousseff. Procurado por ÉPOCA, Meheidin desconversou. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do Planalto disse que Dilma Rousseff não conhece Meheidin, muito menos era fã de carneiros preparados por ele.
Extraído do site da revista época
Janene está morto, não pode mais ameaçar nem delatar ninguém. Parentes seus são réus com Youssef na ação penal sobre a lavagem de dinheiro do mensalão. Um deles é Meheidin Jenani, primo de Janene. Magnus, o ex-sócio de Janene, afirma que Meheidin é especialista em assar carneiros e ia constantemente do Paraná a Brasília para preparar carneiros para a então ministra da Casa Civil, e hoje presidente Dilma Rousseff. Procurado por ÉPOCA, Meheidin desconversou. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do Planalto disse que Dilma Rousseff não conhece Meheidin, muito menos era fã de carneiros preparados por ele.
Extraído do site da revista época
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