Fim da coligação para eleição de deputados e o
estabelecimento da cláusula de barreira podem mudar Congresso
POR MARIANA SANCHES E JULIANNA GRANJEIA
SÃO PAULO - O termo “sopa de letrinhas”, tão usado para
definir o Congresso Nacional, pode estar perto de perder o sentido. A alcunha,
justificada pela profusão de siglas partidárias com assentos na Câmara, vai se
tornar obsoleta caso sejam aprovadas duas dentre as muitas propostas da reforma
política, defendida pela presidente Dilma Rousseff em seu primeiro discurso
pós-reeleição. A Câmara dos Deputados eleita em 2014 conta com 28 partidos, que
dividem 513 cadeiras. Se aplicado à situação atual o fim da coligação para
eleição de deputados, cinco partidos seriam automaticamente excluídos da casa.
Em uma mudança ainda mais profunda, que incluiria o estabelecimento da cláusula
de barreira, 182 cadeiras ficariam vagas, e apenas sete partidos permaneceriam
com representação na Câmara (PT, PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB e PR).
Tomemos por exemplo o PMDB. Pelo modelo eleitoral atual, o
partido é um dos maiores credores destas eleições. Em 2014, elegeu 66
deputados. Mas, se fossem proibidas as coligações proporcionais ou se fosse
instituída a cláusula de barreira para partidos, o PMDB contaria com 102 ou 89
parlamentares, respectivamente. Como é possível?
Esse caso ilustra a opacidade do sistema político
brasileiro. Como o PMDB fez nada menos do que 166 coligações nos estados, os
votos recebidos pelo partido acabaram repartidos entre os aliados, engordando a
bancada de quem não foi votado e esvaziando a do PMDB, que havia sido escolhido
pelo eleitor na urna.
— Há dois problemas nisso. O primeiro é que a coligação
transfere voto sem que o eleitor tenha informação disso. Então a pessoa pode
ter votado em um partido da situação, mas, pela composição da coligação
estadual, acaba elegendo um deputado de oposição — explica o cientista político
Jairo Nicolau, da UFRJ, que prossegue: — O segundo é que o modelo favorece a
dispersão dos partidos. Não tenho conhecimento de nenhum outro parlamento no
mundo em que haja 28 partidos com cadeiras. Essa fragmentação dificulta
aprovação de leis e favorece chantagens e achaques.
A situação tem grandes chances de mudar no começo do segundo
mandato de Dilma Rousseff, porque esse é um dos poucos temas em que tanto
partidos da base quanto de oposição tendem a concordar. Estabelecido o fim da
coligação, o número de partidos capazes de alcançar o quociente eleitoral e
garantir representação na Câmara diminuiria. Mas, mais importante, apenas sete
partidos, em vez de dez, teriam bancada superior a 20 deputados, o que
facilitaria a composição de maiorias e, em tese, diminuiria a possibilidade de
compra de votos.
Outra maneira de diminuir a fragmentação é instituir a
chamada cláusula de barreira, um mecanismo criado pela democracia alemã. Nesse
caso, partidos que não obtivessem 5% dos votos válidos em pelo menos nove
estados perderiam o direito às suas cadeiras, que seriam redistribuídas aos
partidos que superassem esse piso. Em um cálculo simplificado e hipotético, o
número de partidos da Câmara eleita seria reduzido a um quarto da quantidade
atual.
— Seria uma mudança draconiana para um sistema que sempre
foi tão disperso e estadualizado. Correríamos o risco de provocar
subrepresentações regionais — argumenta Jairo Nicolau.
Para o cientista político Fernando Abrúcio, da Fundação
Getulio Vargas, além de demasiado severa, a cláusula de barreira produziria
efeitos que poderiam ser atingidos, ao longo do tempo, apenas com o fim da
coligação.
— A tendência é que os partidos comecem a se fundir. Os
próprios líderes partidários já estão percebendo isso e se adiantando à
reforma, porque já está claro que o sistema atingiu seu limite com tantos
partidos — afirma Abrúcio.
Enfraquecidos após a última eleição, PSB, PPS, Solidariedade
e DEM já começaram a discutir fusões. Todos farão oposição ao governo. O PSB
elegeu 34 deputados, o Solidariedade, 15, o PPS, 10, e o DEM, 22.
PSB e PPS discutem uma união entre as duas siglas, que
também poderia contar com o Solidariedade para formar um bloco. Já o DEM ainda
estuda alternativas e pode se juntar a partidos nanicos.
— Numa análise preliminar, digo que o resultado da eleição,
do jeito que aconteceu, fortalece a tese da fusão diante da necessidade de
surgimento de uma nova força política por conta da divisão do país — defendeu
nesta semana o deputado Júlio Delgado, da Executiva do PSB; o projeto de fusão
do PSB, de acordo com ele, já vinha sendo discutido desde o fim do primeiro
turno.
O segundo grande tema que deve ser abordado em uma proposta
de reforma política é o financiamento de campanha. Nesse caso, não há consenso:
PT e alguns aliados preferem um financiamento exclusivamente público, enquanto
PSDB e demais opositores defendem a manutenção do sistema privado de
financiamento — inclusive com empresas —, desde que estabelecido um teto para
doações.
— O Estado já gasta fortunas com eleições, não pode aumentar
o gasto. Não vejo razão para que o setor privado não dê dinheiro para campanha,
desde que se crie um limite para evitar distorções e impedir que os muito ricos
influenciem mais do que os menos ricos — afirmou o filósofo da Universidade de
São Paulo José Arthur Giannotti, um dos ideólogos do PSDB.
O mais provável é que o resultado não contemple inteiramente
nem a vontade da oposição nem a da situação. Isso porque, provocado pela Ordem
dos Advogados do Brasil, o Supremo Tribunal Federal está julgando se empresas
podem ou não doar para campanhas presidenciais. Embora o julgamento esteja
suspenso, na contabilidade dos votos dos magistrados o financiamento eleitoral
por pessoas jurídicas já foi considerado inconstitucional. É apenas uma questão
de (pouco) tempo para que esse tipo de doação seja proibida.
CAMPANHAS “FRANCISCANAS”
Campanhas eleitorais passarão a depender do Fundo Partidário
e da boa vontade dos eleitores para se financiar. A aposta de Jairo Nicolau é
de que passaremos a ver campanhas “franciscanas”, com recursos muito limitados:
— Os Estados Unidos proíbem doação de empresas desde 1907.
Lá, os partidos se esforçam para dialogar com a sociedade e ganhar não só voto,
como dinheiro. Doar para partido é visto como um ato político. Aqui não temos
essa cultura política filantrópica, então os partidos terão que se esforçar
para dialogar com a sociedade. A esquerda vai ter que voltar a fazer suas
festas para arrecadar. A direita vai ter que reviver as quermesses — afirma
Nicolau, que também rechaça a ideia de financiamento público exclusivo: — Nenhum
país do mundo adotou isso. Tendo a suspeitar de ideias nativas. Se dependerem
do Estado também para se financiar, os partidos vão virar as costas para a
sociedade.
Vedete das discussões eleitorais, execrada por Marina Silva
(PSB) e Aécio Neves (PSDB), a reeleição para o Executivo dificilmente será
contemplada em uma possível reforma política. Além de exigir uma emenda
constitucional, muito mais difícil de ser aprovada no Congresso do que uma lei
ordinária, o tópico não conta com o apoio da maior parte dos governadores,
diretamente atingidos pela mudança. Dos 27 governadores eleitos, 16 estão em
primeiro mandato e certamente vão querer a chance de ter mais quatro anos para
mandar.
Por outro lado, o cargo de suplente de senador deverá ser
extinto. O suplente é o equivalente a vice do parlamentar, mas com frequência é
um desconhecido da opinião pública e acaba exercendo a maior parte do mandato,
já que é comum que senadores eleitos se licenciem para ser ministros ou
secretários de Estado e deixem seu mandato. Apenas na última legislatura, cerca
de 20% dos 81 senadores foram compostos por suplentes, políticos que nunca
foram escolhidos pelo voto direto do eleitor.
Sociedade e Congresso discutem quatro
propostas de reforma política
Assunto está em pauta há 20 anos e só deu origem a mudanças
pontuais
POR CHICO DE GOIS E PAULO CELSO PEREIRA
BRASÍLIA - Alçada pela presidente reeleita Dilma Rousseff
(PT) à condição de prioridade de seu segundo mandato, a reforma política é um
assunto velho que, a cada legislatura, nos últimos 20 anos, sempre ressurge com
a força de uma refundação do sistema político e termina em alterações pontuais.
O único consenso, nesse período, é que é necessário fazê-la.
No momento, há pelo menos quatro propostas de reforma
política em discussão no Congresso e na sociedade: a do grupo de trabalho na
Câmara, que reuniu 18 deputados de diversos partidos; a do Movimento de Combate
à Corrupção Eleitoral (MCCE), que tem apoio da OAB e da CNBB; a do PT, com
apoio da CUT; e a da presidente Dilma.
Tradicionalmente, esse debate se circunscreve ao Congresso,
mas desde os protestos de junho do ano passado, políticos e entidades passaram
a defender que se ouça diretamente a sociedade.
O PT e alguns movimentos sociais defendem que os eleitores
escolham um grupo de representantes para uma Assembleia Nacional Constituinte
exclusiva tratar do tema. A medida foi apoiada pela presidente Dilma logo após
os protestos, mas ela recuou após receber críticas até do vice-presidente
Michel Temer.
A partir de então, a presidente passou a defender a
realização de um plebiscito para ouvir o desejo da população. A maioria dos
parlamentares, por sua vez, defende que o Congresso formate uma proposta e que
ela passe por um referendo popular — que aprovaria ou não as mudanças. O
principal argumento é que a complexidade do tema inviabiliza uma consulta
prévia.
Veja as principais propostas de reforma política:
GRUPO DE TRABALHO NA CÂMARA
Voto distrital. Cada estado será divido em
distritos que elegerão entre quatro e sete representantes. Assim, São Paulo
deverá ter dez distritos, com sete vagas em cada. Esse ponto seria o único a
passar por referendo
Voto se torna facultativo.
Coincidência de eleições. Para isso, os
prefeitos e vereadores eleitos em 2016 teriam mandatos de apenas dois anos
Fim da reeleição.
Fim das coligações proporcionais. Exceto no caso
de federação de partidos
Cláusula de barreira. Progressiva para o partido
ter direito a funcionamento parlamentar e acesso ao fundo partidário e tempo de
TV. O desempenho mínimo começaria em 3% dos votos nas eleições de 2018, 4% em
2022 e finalmente chegaria a 5% em 2026
Doações de empresas. Só serão permitidas
diretamente para partidos políticos — não para candidatos individualmente
Sindicatos e entidades de classe. Passam a poder
fazer doações eleitorais, desde que com base em arrecadação exclusiva para isso
Quociente. Para ser eleito deputado será preciso
receber, no mínimo, 10% do quociente eleitoral — o que acaba com deputados
eleitos com número irrisório de votos na “carona” de nomes populares
Filiação. Prazo mínimo cai de um ano para seis
meses
ENTIDADES E MOVIMENTOS SOCIAIS
Votação para deputados em dois turnos.
Financiamento público de campanha.
Proibição de doação por parte de empresas.
Doações. Pessoas físicas podem doar no máximo
até R$ 700 para os partidos
Bens. Ao registrar sua candidatura, os
candidatos devem apresentar declaração de bens idêntica ao Imposto de Renda
Plebiscito. Para a criação de municípios,
concessões administrativas de serviços públicos, alienação de jazidas e mudança
de qualificação de bens públicos
PT
Constituinte exclusiva. O PT está coletando
assinaturas para encaminhar ao Congresso um Projeto de Iniciativa Popular que
prevê a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para
tratar da Reforma Política. São necessárias 1,5 milhão de assinaturas. Os
eleitos para essa Assembleia não poderiam se candidatar a mais nada depois
Pré-lista. Votação definida pelos partidos.
Dessa forma, o eleitor não votaria num determinado candidato, mas numa lista
apresentada pelas legendas, que definiriam quem ficaria com as primeiras
posições. O PT acredita que, dessa forma, os partidos políticos se fortalecem e
evitam o personalismo
Financiamento público de campanha. Para dar
condições iguais a todos os candidatos e evitar relações de interesse entre
aquele que recebeu recursos da iniciativa privada e sua futura atuação
parlamentar ou no Executivo
Cotas. Aumento obrigatório da participação
feminina. O PT defende a paridade, com 50% de mulheres no Congresso
Plebiscito. Para que a população decida cinco
temas: financiamento público ou privado das campanhas, voto proporcional ou
distrital, continuidade ou não da suplência para senador, fim ou não do voto
secreto nas votações no Congresso (já foi aprovado o fim do voto secreto para
cassações), continuidade ou não das coligações partidárias proporcionais
Fim do financiamento de empresas privadas.
Fim das coligações para eleições proporcionais.
Extraído do site do
jornal O Globo

Nenhum comentário:
Postar um comentário