O Vendedor de Revistas – Arte de Angel Estevez
CRÔNICA PUBLICADA NA COLUNA MENSAL DO BLOG DA EDITORA ALTA BOOKS.
Link original http://blog.altabooks.com.br/?author=4
Hoje acordei um tanto saudoso, repleto de reminiscências. São tantas que nem conto, pois acrescentaria muitas páginas ao nosso dia e, sinceramente, pretendo não explodir em lamentos, coisa chata para quem os lê. Entretanto, como não sou de ferro – e o cara por trás do papel também precisa desabafar de vez em quando, o que faz do leitor uma espécie de psicólogo do cronista (agradeço antecipadamente o feito notável e gratuito, embora já tenha dito isso em outra crônica) – hoje estou para desabafos e um “lamentozinho” não faz nenhum mal.
Entre as recordações que tomam o dia, algumas fúteis, outras existenciais, figura uma que deve pairar sobre cabeça de muitos que, como eu, viveram nos áureos tempos dos algodões doce. Não sou tão velho assim, que fique claro, mas recordo dos simpáticos vendedores ambulantes de livros de antigamente. Muitos deles me acordavam pela manhã com suas palmas de papel amassadas e vinham com preciosidades e sorrisos. Sabiam de cor as obras, citavam com propriedade passagens e tinham promoções que nenhum shopping jamais apresentou. Eram verdadeiras bibliotecas ambulantes que não se importavam com as vendas, mas com a disseminação da literatura. Mostravam-se mais felizes com comentários acerca de algum romance do que quando retirávamos o dinheiro do bolso. Eram verdadeiros “pseudoescritores”, no bom sentido, que fomentavam a leitura mesmo quando o dia parecia terrível e você quase os retirassem a pontapés.
– Ah, mas esse aqui é ótimo. Chama-se Pollyanna, de Eleanor H. Porter, e fala sobre a felicidade mesmo quando ela parece ser difícil e…
Abríamos um grande sorriso, pois além de venderem, tinham o dom de transformarem a tristeza. Possuíam o livro ideal para cada situação.
Mas isso foi no tempo do Chevette, das coisas que não voltam mais. De lá para cá nunca mais recebi um vendedor de livros em minha casa para amansar os tempos, o que me leva a crer que foram extintos pela modernidade ou pelos grandes centros comerciais. Ou quem sabe estão escondidos e diminuíram a caminhada. Uma pena. Deveriam ser reivindicados com passeatas. Eles não respondiam apenas pelo terceiro grande meio de vendas de livros do país, mas pelo incentivo ao consumo de cultura, pelo bem que causavam aos aflitos. Não havia como resistir ao vendedor e seu livro. Era preciso comprá-lo. Sua erudição era de deixar qualquer grande leitor no chinelo. Servia como espelho. Eles realmente cultuavam o objeto livro, cheiravam-no com apreço, lustravam-no para durarem muito mais, faziam tudo o que muitos atualmente fazem com os tablets e que esquecem de fazer com um livro.
Ah, os bons tempos de antigamente são insubstituíveis. Não que os de hoje sejam ruins, mas algumas coisas marcam a gente. Atualmente, por exemplo, os tablets marcaram a nova geração, mas acabaram de vez com esse contato pessoal. Chego a imaginar, na loucura moderna, o estranhamento de alguns vendedores frente ao aparelho, inclusive o diálogo com um desses jovens “superinternéticos”.
– E esse é o último lançamento do Jô…
– Mas eu tenho aqui, ó (mostrando o tablet luminoso).
– O que é isso?
– Meu livro.
– Mas e a capa? Brilha assim mesmo?
– Não, é essa aqui (mostrando um PDF).
– Mas deve ser muito caro. Com esse dinheiro você compra dez livros comigo.
– Que nada. Tenho 50 títulos aqui dentro.
– …! Deixa eu cheirá-lo?
– Claro
– Shuif, shuif. Nossa, tem cheio de queimado.
– Claro, é um compu…
– Como você coloca na prateleira?
– Não posso, é um…
– E a biblioteca?
– Tá aqui dentro do compu…
– Muito sem graça. E ele faz um barulho estranho.
– É que recebi um e-mail.
– Mas isso é um livro?
– É um compu…
– Ele faz café? Tem uma água se mexendo, olha. Posso tomar um gole?
– Isso é um protetor de tela. Igual ao compu…
– Eles inventam cada coisa, né? Parece até um computador!
– Mas eu estava justamente…
– Então, esse livro fala sobre um homem que…
– Tá, me dá que eu compro.
– Viu, muito melhor segurar um livro de verdade. Só não sei como você consegue colocar ele aí dentro dessa caixinha. Coloca para eu ver?
– Mas eu não coloco esse, eu baixo e…
– Coloca ele no chão?
– É baixar, download. Quer saber, tchau.
– Mas eu tenho aqui, ó (mostrando o tablet luminoso).
– O que é isso?
– Meu livro.
– Mas e a capa? Brilha assim mesmo?
– Não, é essa aqui (mostrando um PDF).
– Mas deve ser muito caro. Com esse dinheiro você compra dez livros comigo.
– Que nada. Tenho 50 títulos aqui dentro.
– …! Deixa eu cheirá-lo?
– Claro
– Shuif, shuif. Nossa, tem cheio de queimado.
– Claro, é um compu…
– Como você coloca na prateleira?
– Não posso, é um…
– E a biblioteca?
– Tá aqui dentro do compu…
– Muito sem graça. E ele faz um barulho estranho.
– É que recebi um e-mail.
– Mas isso é um livro?
– É um compu…
– Ele faz café? Tem uma água se mexendo, olha. Posso tomar um gole?
– Isso é um protetor de tela. Igual ao compu…
– Eles inventam cada coisa, né? Parece até um computador!
– Mas eu estava justamente…
– Então, esse livro fala sobre um homem que…
– Tá, me dá que eu compro.
– Viu, muito melhor segurar um livro de verdade. Só não sei como você consegue colocar ele aí dentro dessa caixinha. Coloca para eu ver?
– Mas eu não coloco esse, eu baixo e…
– Coloca ele no chão?
– É baixar, download. Quer saber, tchau.
Com isso, os vendedores que restam continuariam, mas vencendo pelo cansaço.
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