Gianni Carta 12 de agosto de 2011 às 0:01h
A crise econômica e o programa de austeridade, além do racismo, foram os catalisadores da violência na Grã-Bretanha..
A onda de violência na Grã-Bretanha foi provocada por um bando de “ladrões”´ e “doentes”. Numerosos pertencem a gangues de jovens encapuzados, os hoodies. Palavras do primeiro-ministro britânico, David Cameron, em sessão extraordinária no Parlamento, nesta quinta-feira 11. Em miúdos, os ladrões, ou doentes, ou quem sabe ladrões doentes encapuzados, não têm uma agenda. Só querem saquear.
Foram raros os articulistas britânicos a questionar o discurso simplista do primeiro-ministro conservador. Para minha surpresa, até colunistas de diários de esquerda, como o The Independent, concordaram com Cameron. Esses escribas não levaram em conta como a maior recessão desde os anos 1930 e o programa de austeridade implementado pelo governo suscitaram a erosão da qualidade de vida das classes médias e pobres. Também ignoraram o fato de os integrantes de minorias serem os mais afetados pela crise e pelo programa de austeridade. Colunistas da imprensa brasileira adotaram, acríticos, a fórmula de Cameron: os rebeldes são ladrões.
Cameron, vale exprimir, está atravessando a crise mais grave desde que assumiu o cargo, 15 meses atrás. Teve de encurtar suas férias na Toscana, e, ao chegar a Londres, vestiu a camisa do premier linha-dura. Em grande parte, adotou essa postura devido à sua imagem negativa nas pesquisas. Em uma delas, a maioria das 2.534 pessoas interrogadas (57%) revelou-se insatisfeita com a lenta reação do primeiro-ministro. Na mesma enquete, a maioria dos britânicos (42%) estimou que as manifestações estão ligadas a comportamentos criminosos. E apenas 8% dos interrogados acham que a onda de violência é consequência do programa de austeridade. Criticado por ter tido de cortar 16.200 policiais por conta do programa de austeridade, Cameron cogita usar o exército se houver novos protestos.
Nas revoltas que sacudiram a França no final de 2005, os jovens também não tinham uma agenda. Como os ingleses, saquearam lojas e supermercados. Adotaram, ainda, a prática de incendiar automóveis. Na verdade, o problema, como sempre nessas revoltas a assolar a Europa, é muito mais profundo. Além de ter raízes na recessão, a questão do racismo sempre entra na equação. Na Grã-Bretanha, os conflitos tiveram início dois dias depois de a Scotland Yard matar Mark Duggan, um negro de 29 anos e pai de quatro filhos. Na esteira, minorias e brancos – e, de fato, hoodies –, se agregaram às manifestações país afora.
O programa de austeridade provocou o declínio dos serviços públicos, e o nível de desemprego, principalmente no setor público, está em ascensão. As medidas adotadas pelo governo alastram a fissura entre privilegiados e classes médias. O governo de Cameron cortou, por exemplo, os impostos do 1% dos mais endinheirados e aumentou o valor agregado – em período de recessão. Em suma, o poder aquisitivo das classes médias só pode declinar. Ao mesmo tempo, a fatia dos pobres, em sua maior parte formada por minorias marginalizadas, cresce.
Quem não ficaria revoltado com essas medidas a favorecer os privilegiados? Lee Jasper, ativista pelos direitos das minorias, respondeu para o diário italiano La Repubblica: “Condeno a violência, mas em parte. Condeno mais a violência econômica: o desemprego, a falta de oportunidade para os jovens no futuro. Essa violência não é reconhecida”.
Na verdade, não surpreende o fato de essas revoltas terem acontecido no Reino Unido, o país com maior disparidade social na Europa. Segundo um artigo do semanário Time, publicado em 2008, uma em cada três crianças nasce abaixo do nível de pobreza. A escassa possibilidade de mobilidade social deve-se à estrutura de classes, mantida pelas elites em grande medida por meio do sistema escolar. O ensino na maioria das escolas públicas é muito inferior ao das particulares. No setor público a média de alunos por classe é 26,2% comparada a 10,7% no privado.
A Fulham Prep School, escola privada ao sudoeste de Londres, cobra 24 mil dólares ao ano por criança. Essas escolas formam os futuros alunos de Oxford e Cambridge (ou Oxbridge), num reino onde 93% da população estudam em escolas públicas. Se os 7% a frequentar as particulares chegam a Oxbridge, cerca de 50% dos alunos de escolas públicas têm o mesmo paradeiro. E qual será o porcentual dos outros 50% que viram violentos hoodies? Esses excluídos tendem a participar em levantes de todos os tipos. E saqueiam. Mas as raízes dos levantes são mais profundas…
Gianni Carta
Gianni Carta é jornalista, correspondente de CartaCapital em Paris, escreve sobre coisas da vida do Hemisfério Norte.
Na Inglaterra, um desempregado tem salário desemprego, assistência social de primeiro mundo, sistema de saúde de atendimento universal e gratuíto, ensino gratuito em todos os níveis... isso tudo não é nada diante da frustração que signfica não ter acesso ao que a midia tenta estimular através da propaganda pra uma faixa de renda acima desses "rebeldes" que estão por trás desses distúrbio... Quando eu vejo aqui o pessoal achando que educação é a solução da criminalidade, me dou conta do quanto a gente ainda vai ter que aprender com esses países como a Inglaterra, que tem uma experiência histórica milenar... Educação pra quem nunca ou quase nunca vai se colocar na faixa de consumo das classes A e B, pode não tirar quem pode querer tudo ao mesmo tempo agora de qualquer jeito, da criminalide ou da tentação das drogas ou prostituição, infelizmente...
ResponderExcluirO que eu quero dizer com o comentário anterior, é que no mundo de hoje, aqui, na China ou em Timon, quem não tem dinheiro pra consumir o que só meia duzia consegue, vai ficar forçando a entrada numa festa pra qual não foi convidado. Não vejo a menor chance de diminuir a criminalidade alimentada por um lado pela meia duzia que pode consumir droga a peso de ouro e pela maioria que com cinco reais consome seu crackizinho diário... Ontem um vereador me falava entusiasmado do seu projeto apresentado na câmara, para combater o crack...Ações do poder público onde não existam as "cracolândias" que têm em São Paulo ou outra grande cidade, sem midia para mostrar a devastação nas pessoas possuidas pela droga, talvez não decolem, mas não custa nada divulgar ações que pretensamente possam facer face ao problema... Os viciados em crack que eu conheço aqui são pessoas em que a dependência, se é que ela realmente exista, não mostraram seu poder de destruiçaão nelas... chego a pensar que a coisa não é tão destruidora assim, mas não me arrisco a experimentar, nem muito menos recomendo, claro... Se o projeto do vereador pelo menos ensejar que se faça uma discussão onde não se fique repetindo clichês do senso comum sobre drogas e drogados, já vai valer a pena...
ResponderExcluirA propósito, dias atrás, entrei num desses encontros que acontecem quase diariamente por aqui, pra nada ou quase nada, sobre prostitiuição infantil... Ouvi mudo e saí calado, com medo de não sair vivo se tivesse tido a coragem de dizer o que pensava sobre o assunto... Não consegui me comover com a angústia de uma palestrante dizendo que o problema da droga, associado à prostituição, em Teresina era epidêmico... Droga e prostituição, só pra lembrar, é um dos negócios mais lucrativos da nossa sociedadezinha de consumo... É preciso lembrar que todo consumismo é mantido, por um lado, por quem pode consumir e, por outro, por quem oferece a "mercadoria"?
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