sábado, 28 de abril de 2012

Mulher de Kaká, jogador do Real: "se o marido trai, a culpa é da mulher..."


Estimados leitores, em se levando em conta os temas relacionados com gols contra, que semana! Entre eles temos as bolas fora de Barcelona e Real Madrid, que deixaram a o mundo pasmo e sem fé em mais nada. E tivemos ainda os papelões épicos do John Terry, na sua tentativa de destruir o próprio time, e da Caroline Celico, mulher do ex-jogador Kaká, com a sua inacreditável declaração de que se o marido trai, a culpa é da mulher.
Eu mesmo, zagueiro à moda antiga, de quebrar o dedão chutando o poste e achar graça, precisei de uma dose tripla de água de melissa com gotinhas de maracujá antes de sentar para escrever sobre o assunto. Precisei reler a entrevista que a nossa ex-bispa deu para a Istoé Gente várias  vezes, antes de acreditar que sim, a nossa brava ex-bispa disse isso mesmo. Se o homem vai ali ver se o amor está na esquina; se ele sai atrás de uma Coca Litrão e só volta quatro horas depois cheirando a Amor Gaúcho; se ele sai de viagem e curiosamente esquece de levar a mala; se ele passa a tarde em reunião de trabalho na sauna Você que Sabe, a culpa, é, só pode ser, não há como ser diferente, da sua distraída esposa.
Caroline, Caroline. Você, com apenas essa declaração desmiolada deixou milhões de brasileiras em um impedimento mal marcado, coisa que magoa a alma.
Já o aprontador em potencial, o senhor seu marido, nunca foi visto fazendo declarações tão tolas, ao menos em público, ou com palavras. Ele foi visto distribuindo passes de qualidade duvidosa e finalizações com o poder explosivo de um traque da Fogos Caramuru, no Santiago Bernabeu por esses dias. Mas isso acontece, com os melhores jogadores, com os piores jogadores, e com os Kaká desse mundo. Já as suas declarações, senhora dona Caroline Amélia, foram de abrir os brônquios de quem mora na poluição de São Paulo.
Trair alguém é sempre responsabilidade de quem o faz. Costuma ser escolha, nunca uma obrigação. Maridos e mulheres que resolvem que querem outras emoções, o fazem pelos mais diversos motivos, todos eles associados ao desejo. Não é preciso sequer ser zagueiro para saber disso. 
As pessoas fazem o que fazem porque querem. As pessoas casam porque querem, e fazem sexo com outras pessoas que não as titulares porque querem. Elas se apaixonam sem querer, porque isso não é escolha, mas fazem algo a respeito porque querem. John Terry acertou as costas de um adversário porque quis e achou que ninguém ia ficar sabendo. As pessoas traem exatamente pelo mesmo motivo. 
Caroline, a ex-bispa, foi querer fazer média e se mostrar ainda mais boazinha do que a bispa Sônia e olhem no que deu. A bispa Sônia sabe ser tão boazinha consigo mesma que andava por aí com uma bíblia para as questões do espírito e milhares de dólares ilegais para o resto. A Caroline quis ser insuportavelmente boazinha, talvez inspirada nos cânticos gospel que despeja por aí, e foi dizer exatamente o que jamais deveria ou poderia, não num mundo onde as mulheres aprenderam a respeitar a si mesmas.
Amélia, a que era mulher de verdade, teria adorado a Caroline, se elas pudessem sentar pra tomar um Grappette e cerzir as meias dos maridos enquanto comparavam histórias de vida e dor. Isso só não é possível porque a última Amélia, a mulher de verdade, foi vista lá pelos anos 30, e nunca mais. Caroline deve se sentir muito só, nesse mundo de mulheres que não levam todas as culpas para casa.
Não, estimada ex-bispa, os homens não traem as suas diletas esposas porque essas não os compreendem e ficam vendo novela em vez de melhor os servirem. As mulheres não traem seus maridos porque eles deixaram de olhar para elas com o mesmo brilho no olhar que tinham nos tempos do colégio, na aurora de suas vidas e seus tempos de entusiasmo e devassidão doméstica. Não se trai nem mesmo por causa do cansaço que um possa sentir pelo outro, de um casamento que se torna tão excitante quanto uma visita ao Banco do Brasil, ou de uma sensação de que o melhor passou e o mundo lá fora se tornou mais atraente.
O fato simples e real é que casamento é uma coisa e o mundo lá fora é outra, e que os seres humanos muito frequentemente anseiam por ambos. Isso não tem nada de estranho, nada de incompreensível, e, seguramente, não é culpa de ninguém.
Talvez maus zagueiros e bons cristãos precisem sentir culpa por tudo. Talvez a Caroline seja ou acredite ser uma boa cristã. Talvez ela tenha achado que dizendo o que disse, deixaria ainda mais aberto o caminho seguro para o céu.
Disraeli disse que ninguém está livre de falar besteiras em público, e o único desastre é fazê-lo solenemente. Isso valia no século 19, quando ele era o grande zagueiro da política inglesa, e certamente segue valendo hoje. Azar da Caroline, se ela estava ocupada demais cantando louvores ao Senhor, e deixou de lado Disraeli. 
Azar dela. E, por extensão, nosso.

Marcelo Carneiro da Cunha, do Terramagazine

Nenhum comentário:

Postar um comentário