Bob
Fernandes, do site Terramagazine
São três
ações contra as cotas em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Uma delas, pra
azar de quem a colocou nas mãos dele, é propugnada, defendida por Demóstenes
Torres.
Uma das
ações contesta o Prouni, programa do Governo Federal que tem reserva de bolsas
de estudo para indígenas, pessoas com deficiência e alunos da rede pública.
Portanto, cotas não apenas para negros, como se pensa e diz.
As outras
duas ações questionam sistemas de cotas das universidades de Brasília e do Rio
Grande do Sul. Esse é um daqueles assuntos que dividem radicalmente as
opiniões. Fico com as razões que brotam da história do Brasil e saltam aos
olhos.
O Brasil
viveu 386 vergonhosos anos de escravidão. Isso são quatro quintos da nossa
história. As chagas estão aí, até hoje, pra quem quiser ver. Só quem não mergulhou
no Brasil além dos centros das capitais, quem nunca deixa as zonas de conforto
e ilusão, pode afirmar que não existe a questão racial.
Afirma
isso quem não sabe que mais de 250 jovens Kaiowá-Guarani, com idades entre 9 e
24 anos, se suicidaram nos últimos 15 anos. Nas proximidades de Dourados, Mato
Grosso do Sul. Eu, como repórter, estive lá. Eu vi. Suicidaram-se pela
opressão, pela falta de espaço, pela ausência de esperança. Como outras
centenas de comunidades Brasil afora.
Exemplos
gritantes, e aí já falando das cotas para negros: o STF, que julga as cotas,
tem 11 ministros. Só um, Joaquim Barbosa, é negro. O Brasil tem 97 milhões que
se declaram afro-descendentes. A câmara dos deputados, uma representação do
país, tem 43 deputados negros ou descendentes. Apenas 8% do total dos 513
deputados.
O
princípio da Ação Afirmativa (as cotas) já foi praticado, antes, em
inúmeros casos no Brasil. Em ações econômicas e sociais. Por que o barulho, o
escândalo, quando surgem cotas para negros, índios e pobres? Por que isso nos
tira da zona de conforto? Da ilusão, hipócrita, de coesão racial, social? Da
ilusão de que o racismo não existe no Brasil, nem mesmo disfarçado?
Dados do
IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): o salário médio dos
brancos no Brasil é de R$ 1.850, o dos negros é de R$ 850; os negros são 70%
dos pobres e 70% dos indigentes do brasil. Não faltam números. Mas números são
até desnecessários. Basta olhar em volta; nas boas escolas privadas, nos ótimos
shoppings, nos belos restaurantes… na Mídia.
Trinta e
cinco universidades e mais de 100 instituições do país aderiram às cotas,
sistema que já tem 10 anos. Segue o debate. Ótima ocasião para o Brasil
discutir a si mesmo e sua história.
Alguns,
como hoje no Supremo, num debate de peito aberto de parte a parte. Outros
milhões debatem nas redes sociais. Milhares deles, quase sempre na condição de
anônimos, deixam vazar todo o preconceito, o racismo que certos argumentos
escondem. Acessem comentários em sites, blogs, e confiram… o horror.
O sistema
de cotas tem, claro, imperfeições. Mas as cotas já beneficiaram, por exemplo,
400 mil jovens negros no Brasil. Que as cotas permaneçam. Até que a nossa
história as torne desnecessárias.
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