quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cotas: 386 anos de escravidão e ainda há dúvidas?


Bob Fernandes, do site Terramagazine
São três ações contra as cotas em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Uma delas, pra azar de quem a colocou nas mãos dele, é propugnada, defendida por Demóstenes Torres.
Uma das ações contesta o Prouni, programa do Governo Federal que tem reserva de bolsas de estudo para indígenas, pessoas com deficiência e alunos da rede pública. Portanto, cotas não apenas para negros, como se pensa e diz.
As outras duas ações questionam sistemas de cotas das universidades de Brasília e do Rio Grande do Sul. Esse é um daqueles assuntos que dividem radicalmente as opiniões. Fico com as razões que brotam da história do Brasil e saltam aos olhos.
O Brasil viveu 386 vergonhosos anos de escravidão. Isso são quatro quintos da nossa história. As chagas estão aí, até hoje, pra quem quiser ver. Só quem não mergulhou no Brasil além dos centros das capitais, quem nunca deixa as zonas de conforto e ilusão, pode afirmar que não existe a questão racial.
Afirma isso quem não sabe que mais de 250 jovens Kaiowá-Guarani, com idades entre 9 e 24 anos, se suicidaram nos últimos 15 anos. Nas proximidades de Dourados, Mato Grosso do Sul. Eu, como repórter, estive lá. Eu vi. Suicidaram-se pela opressão, pela falta de espaço, pela ausência de esperança. Como outras centenas de comunidades Brasil afora.
Exemplos gritantes, e aí já falando das cotas para negros: o STF, que julga as cotas, tem 11 ministros. Só um, Joaquim Barbosa, é negro. O Brasil tem 97 milhões que se declaram afro-descendentes. A câmara dos deputados, uma representação do país, tem 43 deputados negros ou descendentes. Apenas 8% do total dos 513 deputados.
O princípio da Ação Afirmativa (as cotas)  já foi praticado, antes, em inúmeros casos no Brasil. Em ações econômicas e sociais. Por que o barulho, o escândalo, quando surgem cotas para negros, índios e pobres? Por que isso nos tira da zona de conforto? Da ilusão, hipócrita, de coesão racial, social? Da ilusão de que o racismo não existe no Brasil, nem mesmo disfarçado?
Dados do IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica  Aplicada): o salário médio dos brancos no Brasil é de R$ 1.850, o dos negros é de R$ 850; os negros são 70% dos pobres e 70% dos indigentes do brasil. Não faltam números. Mas números são até desnecessários. Basta olhar em volta; nas boas escolas privadas, nos ótimos shoppings, nos belos restaurantes… na Mídia.
Trinta e cinco universidades e mais de 100 instituições do país aderiram às cotas, sistema que já tem 10 anos. Segue o debate. Ótima ocasião para o Brasil discutir a si mesmo e sua história.
Alguns, como hoje no Supremo, num debate de peito aberto de parte a parte. Outros milhões debatem nas redes sociais. Milhares deles, quase sempre na condição de anônimos, deixam vazar todo o preconceito, o racismo que certos argumentos escondem. Acessem comentários em sites, blogs, e confiram… o horror.
O sistema de cotas tem, claro, imperfeições. Mas as cotas já beneficiaram, por exemplo, 400 mil  jovens negros no Brasil. Que as cotas permaneçam. Até que a nossa história as torne desnecessárias.

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